capítulo 15: "Ser Bom Salva Sua Alma, Gastar Dinheiro Salva Seu Humor"

resumo dos capítulos anteriores:

Filho da Puta, nosso herói, tem uma chance real de dominar o mundo. Para isso, precisa apenas descobrir onde estão as Alcachofras da Luxúria, misteriosas chaves do poderio absoluto. Lutando a seu lado estão: sua irmã Flor de Eucalipto, que deixou de ser sua gêmea quando sua alma ficou presa no corpo de um coelho branco, e Deus, o todo poderoso, que entediado de brincar nos campos do Senhor, decidiu descer à Terra pra dar uma relaxada e descobrir como é ter amídalas.

Juntos, terão que ir para Rondônia, até a cidade chamada Acapulco. Vão de carro, pois Deus tem medo de voar. A primeira etapa antes da longa viagem? Oras, o hiper-mercado, é claro!

E tem mais: Gerundina, a única mulher que o Filho da Puta já quis chamar de "minha petúnia", quer destruir as alcachofras para impedir que seu ex-cacho domine o mundo. Para ajudá-la, ela conta com os integrantes de sua ordem religiosa militar de extrema direita ultra-reaça, os Pronomes.

Mas ela foi enganada pelo Desconhecido, o pai adotivo do Filho da Puta, e está indo para a Acapulco errada, não a de Rondônia mas a do México.

E como se isso tudo não fosse o suficiente, o Coelho Branco, cujo espírito foi mandado para o Beleléu quando a alma de Flor de Eucalipto se instalou em seu corpo, descobriu que estar no Beleléu é pior do que coçar o saco com ralador de queijo. É um mundo de bichinhos fofinhos, alegres e francamente insuportáveis. Mas pra diminuir o tédio, ele irá lutar contra Bambam, o veado que dominou a terra feliz. O lugar do confronto será um festa onde, após a grande suruba de confraternização, um bicho fofinho será sacrificado.

Enquanto isso, Odair Leme, o autor de nossa petárdica novela, está com medo.

Ele sabe que pode estar sendo observado. O inimigo procura erros, falhas, chances para vencê-lo.

Gabriela, a blogueira que tudo sabe, tudo vê está por perto.

Odair tem medo, mas sabe que precisa reagir. Lutar!

Mas por enquanto ele vai continuar aqui encolhido, no escuro, tremendo de medo.



capítulo de hoje:

"Eu criei o universo em seis dias..." - disse Deus, então abriu os braços - "mas teria sido muito menos se antes de começar eu tivesse tido a idéia de criar uma belezinha dessas!"

"Mas é só um hiper-mercado..." - resmungou o Filho da Puta.

"Então tenta construir planetas sem ter nem ao menos um pouco de silver tape por perto, malandrão..." - respondeu Deus.

Deus e o Filho da Puta estavam atravessando o estacionamento, indo na direção do hiper-mercado.

"Será que Flor de Eucalipto vai ficar segura, lá dentro do Karmann-Ghia?" - perguntou o Filho da Puta.

"Claro! Deixamos o carro no canto mais distante do estacionamento, ninguém irá vê-la lá! O que poderia acontecer de errado?"

Enquanto isso, dentro do carro, Flor de Eucalipto arranhava a porta:

"Não abriram... A janela... Eu preciso... Oxigênio..."

Sem saber do risco fricassê que sua companheira estava correndo, Deus continuou:

"Estou falando, os hiper-mercados são o auge do desenvolvimento e inventividade humanas..."

"Achei que era a penicilina..."

"Bá, só quem acha isso são os hipocondríacos... Bando de estraga-prazeres que ficam atrapalhando meu trabalho... Depois esse planetinha lota e os caras reclamam que a culpa é de quem? Minha??? Não fui eu que enfiei seis bilhões de pessoas onde só cabiam três!!!"

"Erm... Deus? Você está gritando de novo..."

"Ah, desculpe..." - Deus sorriu amarelo, então apontou para a porta - "Mas enfim, aqui estamos. E pensar que quando eu criei vocês, achei que iam ficar eternamente cavando o chão para plantar seus próprios alimentos, ou então arranjando uma tropa pra arrancar a comida dos otários que tinham perdido o tempo plantando antes. Agora vocês conseguem tudo o que precisam, sem precisar caçar ou plantar ou lutar por isso..."

Eles entraram.

"SÓ OS MAIS FORTES SOBREVIVEEEM! LEI DA SELVA! LEI DA SELVA!" - gritou um velhinho que empurrava seu carrinho de compras.

"LEI DA SELVA! LEI DA SELVA!!!" - respondeu em coro uma turba de bárbaros vestidos de moleton. Carregavam rôdos em chamas e brandiam ameaçadoramente garfos de churrasco. Do outro lado, um outro grupo já pulava por cima das prateleiras, arremessando produtos para todos os lados. Um gerente do hiper-mercado passou correndo, seu corpo em chamas.

E acima disso tudo, estava a faixa com as palavras capazes de derrubar civilizações:

"Liquidação para Queima de Estoque!!!"

Deus e o Filho da Puta olharam em volta.

"Ok..." - disse o todo poderoso - "vamos voltar no carro para pegar as armas."

Voltaram no carro. Quando abriram a porta, Flor de Eucalipto estava desacordada no banco.

"Eu não acredito no que fizemos!" - arrependeu-se o Filho da Puta - "Quase interrompemos a soneca da Flor de Eucalipto..." - sussurou enquanto batia novamente a porta. Os dois retornaram para o prédio do hiper-mercado.

"Bom, Filho da Puta... Lembre-se das regras mais básicas ao enfrentar uma liquidação como essas. Primeira coisa: mantenha a calma e o sangue-frio, eles não querem a sua morte, apenas não se incomodam de te matar para conseguir a última lata de ervilhas."

"Saquei... Tipo, não preciso levar pro lado pessoal, certo?"

"Isso. Segunda coisa: nunca demonstre medo, pois se eles cheirarem seu medo, eles atacam! Terceira coisa: eu dei a racionalidade para vocês e, embora normalmente vocês tenham preguiça de utilizá-la, ela pode ajudá-lo a enfrentar o imprevisto, certo? Lembre-se: pensar acaba com o medo! TUdo tem uma explicação lógica, então pense antes de agir..."

"BÚÚÚ! EU SOU O MONSTRO DOS PREÇOS ALTOS!!!"- gritou um monstro roxo de borracha que estava escondido atrás dos carrinhos de compras.

"UM MONSTRO HORRÍVEL!!" - Deus gritou feito uma menininha, então sacou a Ingram e metralhou o pobre funcionário fantasiado.

"Deus... Eu concordo que essas táticas de marketing selvagem são ridículas, mas... Poxa, também não precisava exagerar, né?"

Nessa hora eles estavam passando por um quiosque do McDonald's. O cliente tinha acabado de pedir uma casquinha quando a mulher do caixa perguntou:

"Torta acompanha?"

O Filho da Puta segurou sua arma com força.

"Ok Deus... Admito que algumas táticas são piores que outras, mas..." - disse o Filho da Puta, trincando os dentes com força - "Esses são apenas peões nesse jogo sujo. Quem merece o inferno são os imbecis que criaram isso..."

"Ah, mas eles já estão lá, meu caro, já estão lá..." - disse Deus - "Mas você disse marketing? Eles contrataram um monstro para fazer propaganda?"

"Não Deus, aquilo não era um monstro. Era um homem vestido de monstro, sabe? Roupa de borracha e zíper e tal...Tipo aqueles seriados japoneses, sabe?"

"Ops..." - Deus puxou o celular - "Pedro, já deve tá pintando por aí um cara vestido de monstro roxo. Ele entra direto, ok? Isso, paraíso direto pra ele. Isso... Sim, pode deixar ele furar a fila. O quê? Se o pessoal da fila reclamar? Hum... Já sei, diga que a entrada é em ordem crescente de tamanho de pau. Isso... Que o dele é o menor... Isso... Vai funcionar, claro! Vai com fé."

Deus desligou o celular, virou-se para o Filho da Puta e proclamou:

"Ok, hora de separar os homens dos meros gastadores de dinheiro..."

Os dois entraram.

Tudo estava silencioso, e o saguão estava vazio, tirando os corpos e os carrinhos de super-mercado destruídos.

"Onde estão todos?" - sussurrou o Filho da Puta.

"Sshh... Devem estar percorrendo as prateleiras em bando, procurando grupos mais fracos que eles possam atacar... É o comportamento padrão de predadores nesse tipo de situação..."

"É verdade... Eu vi isso num documentário do Discovery Channel. Bom Deus, o que vamos comprar? Comida?"

"Mas que comida?" - Deus cuspiu no chão, com desgosto - "E qual a graça de vir num hiper-mercado e comprar comida? Fora que a gente sempre pode comer ovo colorido em qualquer parada de estrada. Eu nunca entendi como eles conseguem fazer aquilo..."

"Tá... Comida a gente consegue por aí... Faz sentido..." - concordou o Filho da Puta - "Mas então, viemos comprar remédios? Ataduras?"

"E eu lá sou homem, digo, sou deus de comprar coisas úteis? Vim aqui comprar as coisas que vocês têem que eu sempre quis experimentar! Onde está a prateleira de chocolates?"

Tocou o celular, Deus atendeu:

"Alô? Ah, fala Pedro, o truque funcionou? O quê? Os homens tão no fim da fila mas as mulheres estão reclamando? Ah, é verdade, sempre esqueço que elas não tem pau também... Bom, deixa eu pensar... Já sei, fala que ele tá furando a fila porque uma vez ele viajou no tempo pra conhecer a mulher por quem tinha se apaixonado vendo uma fotografia, mas ele acabou voltando ao presente por acidente, e agora que ele morreu finalmente os dois poderão se reencontrar e viver seu amor eterno. Sim, elas vão achar isso lindo... Abraços..."

Deus desligou o celular, então virou-se para o Filho da Puta e disse:

"Ok, agora vamos no maior silêncio possível..." - falou baixinho antes de apontar para a frente, empolgar-se e gritar - "CHOCOLATES! EU SEMPRE QUIS SABER COMO ERA COMER CHOCOLATES!"

Correu para lá, pegou uma cesta de compras que estava no chão, tirou a cabeça humana que estava dentro dela e começou a enchê-la de chocolates.

Quando terminou, sorriu:

"FInalmente vou poder confirmar aquela história disso ser melhor que sexo. Bom, agora descobrir para que lado temos que ir..." - então Deus parou, cheirou o ar, ajoelhou-se, colou o ouvido no chão, levantou-se a apontou numa direção - "É para lá..."

Eles seguiram em silêncio, olhando para os lados, temendo serem emboscados. Cruzaram a parte das frutas. Deus ateou fogo na prateleira das bananas.

"Não pergunte... É uma longa história... Digamos apenas que elas me lembram meu maior erro..."- Deus secou uma lágrima - "Olha! Ali está outra coisa que eu queria!"

"Cuecas? Pra quê você quer cuecas?"

"Tenta passar a eternidade com seus troços balangando debaixo da toga pra ver o que é bom, tenta!" - irritou-se Deus - "Eu sempre quis saber como era usar cuecas! Bom, chocolates e cuecas... Já podemos ir!"

"Você veio até aqui só para comprar chocolates e cuecas?!?"

"E por que não?"

"Acho que saber que aqui dentro tem uma horda de loucos é um bom motivo!"

"Ah, relaxa... Eles nem acharam a gente..."

"ELES TEM CHOCOLATES! E CUECAS!!! SAQUEIEM! PILHEM!!!" - gritou a horda que vinha pelo corredor das fraldas...

"DEUS ME ACUDA!" - gritou o Filho da Puta.

"Ti liga, rapá! Vida é que nem horta, cada um cuida da sua!" - disse Deus, enquanto escalava a prateleira e pulava para o corredor do lado.

O Filho da Puta correu do grupo. Correu, correu.

Foi quando olhou pra trás e viu que já tinha ganho uma boa distância de seus perseguidores. Então agradeceu por só velhinhos irem no super-mercado naquela hora da manhã.

Esgueirou-se por entre algumas prateleiras, indo na direção da saída. Atravessou a porta e então ouviu uma voz:

"Diz aí, você encontra tudo que quer comprar e ainda é a maior adrenalina! Hiper-mercado não é muito mais legal que penicilina?"

"Deus! Seu porra do caralho! Você me deixou sozinho pra morrer nas mãos daqueles velhinhos sanguinários!"

"Opa! Não use meu santo nome em vão!" - reclamou Deus, e nessa hora tocou o celular. Ele atendeu - "Alô? Faaaala Pedro... O que foi agora... O quê? As mulheres entraram mas todos os homens continuam brigando porque nenhum deles quer entrar antes dos outros? Ai, saco... Sei lá, arranja uma bola de futebol e deixa com eles pra pelo menos eles se divertirem aí fora, então! O quê? E se eles pedirem cerveja e churrasco? Ah, Pedro! Pega umas vacas no paraíso dos bovinos, sei lá! Por que só eu que tenho que pensar em tudo por aqui?"

Deus bateu o celular. Eles tinham atravessado o estacionamento enquanto ele falava. Foi quando viram que a janela do Karmann Ghia estava quebrada. Flor de Eucalipto estava do lado de fora e cumprimentou.

"Oi rapazes..."

"Ai meu Deus..."- disse Deus - "Agora que eu percebi! Coitada de você, Flor de Eucalipto, trancamos você dentro do carro, com as janelas fechadas, e nem lembramos que você poderia querer sair pra ir no banheiro, né?"

"O que eu queria era sair pra respirar, na verdade... O cocô eu fiz ali nos bancos do carro mesmo..."

Deus arregalou os olhos e disse:

"Cocô! Eu sempre quis saber como cheirava cocô!"

Cinco minutos depois, após eles terem convencido Deus a ir lavar as mãos, os três entraram no carro. Deus olhou a janela quebrada:

"Bom, pelo menos vai ter brisa na viagem... Ah, agora que já temos tudo que precisávamos, já podemos viajar!"

"Péra lá, Deus, agora eu quero saber uma coisa!" - disse o Filho da Puta - "Eu até acredito que você é Deus, mas ainda estou achando muito estranho isso tudo. Quer dizer, pô, tudo bem que você é um lesado inconsequente que no meio disso tudo faz a gente correr risco de vida só pra comprar cuecas e chocolate, mas... Uma coisa é ser meio bobo, a outra é ajudar a gente a dominar o mundo! Não consigo entender porque isso! Pô, você tem mó fama de bonzinho, e tal... Tá certo que você deve se identificar com esse lance de ser o chefão de tudo e talvez até não se importe tanto com o destino de apenas mais um dos planetinhas cheio de gente no meio de todo esse universo, mas..."

"Filho da Puta... Tem dois erros no que você está falando..."- interrompeu Deus - "Primeiro: eu sei que vocês querem dominar o mundo, mas acredite-me, tem mais em jogo do que vocês pensam, muito mais..."

"Sério?"

"Sério... Outra coisa, que idéia estúpida é essa de achar que existe vida em outros mundos? Já não basta o trabalho que eu tenho com vocês humanos eu lá ia arranjar ainda mais problemas?"

Deus ligou o carro, então completou:

"Não estou aqui só pra ajudar vocês... Estou aqui pra salvar toda a minha criação..."

(continua no próximo capítulo)